Já dizia o eruditíssimo padre José Stringari que “não raro imprime à frase sainete todo especial o emprego de palavras arcaicas. Louvor merece aquele que se esforça de ressuscitar e reflorir fórmulas que andam reluzidas pelo mugre do olvido. Desoxidá-las e dar-lhes novamente carta de correntias não é marear a pureza da língua, senão aformoseá-la”. Entendeu? Não se preocupe, pois o mais importante em linguagem jurídica não é necessariamente fazer-se entender, e sim impressionar autoridades e fascinar clientes com significados distantes da realidade e inacessíveis à maioria das pessoas – cultas ou ignorantes.
Ser ininteligível é uma das hard skills mais procuradas em profissionais do Direito; daí a importância de se atualizar com os arcaísmos mais bem ranqueados do momento. Eles conferem mais afetação, mistério e requinte a peças, contratos, pareceres e sustentações orais:
1) APROPINQUAR (séc. XVI). Para que aproximar se você pode apropinquar? Qualquer um aproxima. Aproximar é tão comum, banal, simplório... Já apropinquar é para poucos. Não se constranja com risos ou gargalhadas que possam surgir diante desse uso: é inveja de quem adoraria ter a mesma coragem que você. Apropinque-se dos pategos sem ousadia, que se contentam pusilanimemente em se aproximar.
2) ADREDE (séc. XIV). Eis um preciosismo adverbial que quase ninguém usa ou sequer conhece (o que faz dele um recurso indispensável à sua retórica). É arcaísmo até no espanhol (língua do qual foi importado) e significa “de propósito”, “com intenção”, “de caso pensado”, “propositadamente”; “intencionalmente”, “antecipadamente”, “com antecedência”, “previamente”. Sim, você pode usar qualquer uma dessas palavras mais claras, objetivas e compreensíveis no lugar de “adrede”; mas que graça haveria, não é mesmo? Vale observar que, apesar de “adrede” já ser um advérbio, doutos juristas e advogados não se deram por satisfeitos e incluíram nele o sufixo adverbial -mente: “adredemente”. Assim, para conferir um toque ainda mais inacessível ao seu discurso, prefira esta versão moderna do arcaísmo.
3) TESTIGO (séc. XIII). No dicionário do eruditíssimo Laudelino Freire publicado em 1954, setenta anos atrás, “testigo” (do espanhol testigo, que significa “testemunha”) já constava como “desusado”... Consegue imaginar um arcaísmo mais arcaico que esse? (Pois saiba que existe.) Uma vez que o objetivo de todo profissional do Direito é tornar seu texto e sua fala um desafio à compreensão de leitores e ouvintes, dispense testemunhas e invoque testigos. É uma lição da qual gente leiga jamais se esquecerá.
4) EMPÓS (séc. XIV). Quer colocar-se em evidência com a devida pompa? Esqueça os ordinários “após” e “depois”: “empós” é o que há! Ministros, juízes e desembargadores se deleitam ao se deparar com essa preposição afonsina em peças e sustentações orais. Receba o devido destaque e atenção ao proferir, por exemplo, “Nada como um dia empós outro, Excelência!”.
5) LÍDIMO (século XIII). Veio do latim legitimus, que na mesma época também deu origem a “legítimo". Já era considerado “antiquado” pelo gramático português Duarte Nunes de Leão (1530–1608). Séculos depois, Francisco José Freire (1719–1773), em suas Reflexões sobre a Língua Portuguesa, dizia que usar “lídimo” em vez de “legítimo” era “inteiramente antiquado”. Não foi à toa, portanto, que se tornou arcaísmo tão amado e defendido ardorosamente pelo pedantíssimo Ruy Barbosa, razão pela qual nenhum fã da Águia de Haia deve descuidar dessa tradição arcaísta: nada mais legítimo do que lídimo. Nem “legítimo” é mais legítimo que “lídimo”!
Se você não é profissional do Direito, mas quer primar-se por um estilo que passe a impressão de ser a reencarnação de Coelho Neto, Ruy Barbosa ou outros varões insignes das tradições de antanho, rebuscar a linguagem é fundamental. Os riscos de ridículo e repulsa são grandes, mas é um preço a se pagar por quem busca se distinguir de seus pares.
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