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Foto do escritorEvandro Debochara

Cagar regras gramaticais exige critério e responsabilidade


Frequentemente, páginas de redes sociais com dicas de português publicam posts que aplicam regras gramaticais de forma tão crua e descontextualizada que chegam a chocar pela absoluta falta de critérios para explicar essas lições. Juntamos, no cabeçalho deste texto, três posts recentemente publicados por três diferentes páginas de dicas de português para mostrar o quão nocivo e prejudicial isso pode ser quando não é feito com preparo e cuidado. Todos os três exemplos aqui empregados por essas páginas pra ensinar o uso mais rigoroso das normas gramaticais foram extraídos de USOS PRÓPRIOS DA LÍNGUA FALADA: “chegar em casa”, “tem pão”, “tem gente no banheiro”, “te amo”, formas indiscutivelmente legítimas da linguagem informal do dia a dia, mas que esses pobres-diabos tiveram a ̷a̷u̷d̷á̷c̷i̷a̷ insensatez de questionar.


Todas essas três páginas (que contam com dezenas ou centenas de milhares de seguidores) cometem, ao apresentar essas regras, (pelo menos) dois erros básicos, primários, fundamentais, que reduzem estupidamente a realidade da língua:


1º) DEIXAM DE EVIDENCIAR a distinção entre aquilo que é lição própria da língua escrita aplicável apenas a certos tipos de texto, que são rigorosamente formais (oficiais, acadêmicos, científicos, jurídicos, jornalísticos, redacionais para concursos e vestibulares etc.) e aquilo que é usual e legítimo em todos os demais tipos de textos e gêneros textuais (literários, publicitários, mensagens de e-mail etc.);


2º) Levam muitos de seus leitores – aqueles que são leigos, gente em formação escolar ou desinformada – a acreditar que se deva (sempre) falar exatamente como se escreve, que toda e qualquer regra da gramática normativa é incondicionalmente aplicável na fala ou em textos menos formais, que a informalidade inerente à língua falada é algo a ser higienizado, que o caráter coloquial e espontâneo da fala e de certos gêneros textuais deve ser reprimido em todo e qualquer ambiente, contexto ou circunstância.

O ESTRAGO que isso faz na cabeça de gente leiga e/ou em desenvolvimento é enorme. Por mais estranho ou absurdo que isso possa parecer pra muitos de nós – com conhecimento e experiência pra fazer essas distinções ao se deparar com esse tipo de post –, é exatamente assim que muita gente boa acaba assimilando regras gramaticais: de forma robótica, desenvolvendo uma visão engessada de língua e aplicando automaticamente, em tudo, todas as rigorosas regras que assimilaram. E tudo isso porque muitos ‘influenciadores gramaticais’, no frenesi de cagar regras, se mostram muito incompetentes pro papel que querem assumir.

Imaginem agora as pessoas criadoras desses posts mandando uma mensagem – seja em forma de texto, seja em forma de áudio – assim pra sua parceira ou pro seu parceiro que está em casa:


“Chego a casa daqui a pouco. Há pão? Amo-te.”

Duvido muito que qualquer um dos donos/ADMs dessas páginas falem (ou mesmo escrevam mensagens de WhatsApp) assim. A artificialidade é tão óbvia que me pergunto como isso não passou, em momento algum, pelas cabeças deles antes de publicar essas insanidades.


MORAL DA HISTÓRIA: O problema NÃO está em ensinar essas regras gramaticais mais rigorosas, e sim em disseminá-las de qualquer forma, sem critério, sem distinção, sem contextualização, sem observações críticas sobre restrições, exceções ou divergências (quando for o caso), enfim, sem nenhuma conscientização dos fatos linguísticos.

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