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Caçadores de pleonasmos sem certeza absoluta do que é correto

Atualizado: há 11 horas

Cíntia Chagas em mais uma de suas argumentações reducionistas sem nenhuma fundamentação (pra variar).
Cíntia Chagas em mais uma de suas argumentações reducionistas sem nenhuma fundamentação (pra variar).

– Tem certeza?

– Absoluta.

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Você sempre ouve diálogos como esse por aí e já deve ter perdido a conta do tanto de vezes que já leu ou ouviu certeza absoluta. E também deve saber que a certeza assim adjetivada é condenada pela Igreja Ortodoxa do Evangelho Lógico-Literalista, cujos devotos querem impor como lei, a todos, algo que se baseia exclusivamente em sua crença.

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Certeza absoluta está no índex dos caçadores de pleonasmos. Dez entre dez listas de pleonasmos viciosos criminalizam a expressão, com a bênção de sacconnis e cíntias-chagas da vida. Não se pode mais ter alguma certeza, plena certeza, menos certeza nem pouca certeza, tampouco tanta certeza ou qualquer grau de certeza, porque, segundo esses arautos da língua, em todo e qualquer contexto, toda certeza é absoluta.

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Ora, mesmo que toda certeza fosse absoluta, não seria nenhum vício de linguagem reforçá-la e enfatizá-la com esse adjetivo. E bastaria um pouquinho só de leitura, cultura e pesquisa para qualquer pessoa constatar que a palavra certeza sempre foi qualificada de absoluta pelos mais cultos autores pelas mais diversas razões nos mais diversos contextos, seja para enfatizar a certeza, seja para contestar seu caráter absoluto.

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Desde os tempos do latim medieval, teólogos usam a expressão certitudo absoluta para se referir à certeza teológica, baseada na revelação divina pela fé.

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Vários filósofos negam que a certeza seja, por si só, um termo absoluto. Descartes distingue dois graus de certeza, sendo um deles o da certitude absolue. Locke afirma que Cogito, ergo sum é o mais alto grau de certeza e rechaçava a ideia de absolute certainty. Já outros pensadores clássicos admitem que o conhecimento não requer uma certeza absoluta, mas sustentam que a certeza absoluta é possível (Dicionário de Filosofia de Cambridge, p. 128, 2011).

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Segundo o matemático Malba Tahan, em A lógica na matemática (1966, p. 38), diz Stuart Mill que as experiências também nos iludem, e que certeza absoluta só pode emanar das leis primárias do pensamento. Do contrário só há certeza relativa.


A Física trata da impossibilidade da certeza absoluta sobre a posição de um elétron ao mesmo tempo em que se conhece com precisão seu momento. Em Physics in My Generation (1956), o físico alemão Max Born diz que ideias como certeza absoluta e precisão absoluta são produtos da imaginação que não deveriam ser admissíveis em nenhum campo da ciência. Em Out of My Later Years (1950), Einstein diz que a distinção entre impressões sensoriais e imagens não é possível, ou, pelo menos, não é possível com certeza absoluta [absolute certainty].


No Direito, juristas, juízes e advogados lidam diariamente com a relatividade da certeza. Em julgados e jurisprudências dos mais diversos tribunais, é possível encontrar não só certeza absoluta" como também certeza relativa, certeza não absoluta, certeza quase absoluta etc.


A certeza absoluta está presente nas obras dos nossos mais prestigiados escritores: Rui Barbosa, Machado de Assis, Graciliano Ramos etc. Gramáticos e filólogos nunca tiveram nenhuma restrição em adjetivar a certeza com absoluta, plena ou coisa que o valha; são expressões presentes tanto nos portugueses mais puristas (Cândido de Figueiredo, Vasco Botelho de Amaral) quanto nos brasileiros mais conservadores (Napoleão Mendes de Almeida). No Brasil, também dão o adjetivo absoluta à certeza Said Ali, Celso Luft e Bechara, que inclusive observa que são agasalhadas pelos melhores escritores as expressões que tais críticos condenam, como sorriso nos lábios; certeza absoluta; metades iguais; outra alternativa etc. (Fatos e dúvidas de linguagem, 2021).

A flexibilidade de certeza, a incerteza de seu absolutismo e a ideia de que a certeza não é absoluta – ou de quem nem toda certeza é absoluta – estão escancaradas todos os dias na língua: da sua modalidade culta à popular, da literatura à gramática, das ciências humanas às exatas.


CONCLUSÃO: De um lado, temos literatos, filósofos, matemáticos, físicos, juristas, gramáticos etc. adjetivando a certeza como absoluta; de outro, gramatiqueiros, influenciadores, caçadores de pleonasmos e toda sorte de pedantes tirando do rabo a regra que trata a expressão como pleonasmo vicioso. Nunca foi tão fácil escolher um lado.


©2021 por Paródia Editorial.

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