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Foto do escritorEvandro Debochara

Contra a lógica que implica com os mínimos detalhes


Talvez o personagem mais conhecido do humorista Rony Rios (1936-2001) seja a Velha Surda (Praça da Alegria e A Praça é Nossa), mas ele também se celebrizou como o Explicadinho, personagem que “gosta das coisas beeem explicadinhas, em seus míííínimos detalhes”.


Apesar desse seu bordão render risadas, até hoje há quem implique com essa expressão e outras semelhantes, como ‘pequeno(s) detalhe(s)’, 'mínimos pormenores’ ou mesmo 'detalhezinho(s)’, taxando-as de pleonasmo vicioso em certos manuais de redação, gramáticas para concursos e blogs. No caso de ‘detalhe’, alegam que, como a palavra já significa ‘minudência’, ‘pormenor’, ‘minúcia’, então já é algo mínimo; recomendam em seu lugar 'em detalhes' ou 'detalhadamente’; quanto a ‘pormenor’, por ter o mesmo sentido de detalhe e minúcia, recebe a mesma e rigorosa lógica literalista se adjetivado com ‘pequeno’ ou ‘mínimo’.


Essa implicância provavelmente é uma herança dos tempos áureos do purismo linguístico. Aliás, se os puristas fossem REALMENTE puristas, não deveriam nem mesmo usar ou sugerir as alternativas não pleonásticas ‘detalhadamente’ ou ‘em detalhes’, uma vez que, pra eles, ‘detalhe’ é um galicismo condenado oriundo do francês détail...


Trata-se de correção desnecessária e conservadora demais até mesmo para os padrões da própria gramática normativa, pois cai naquela equivocada generalização de que toda e qualquer redundância é pleonasmo VICIOSO. Pleonasmo é recurso estilístico legítimo da língua, infelizmente cada vez mais evitado graças ao grande policiamento que puristas, concurseiros ou até mesmo revisores, professores e muita gente boa e com as melhores intenções fazem sobre ele. Ora, o que deve ser condenado é tão somente o pleonasmo vicioso, e não o pleonasmo por si só. Mas a patrulha cerrada acaba vendo problemas onde eles não existem, criando listas exaustivas, enoooormes de redundâncias a serem evitadas e constrangendo os usuários a deixar de usar várias redundâncias legítimas – e, portanto, corretas!


Em seu dicionário, Houaiss diz: “mínimos pormenores”. Celso Cunha, em sua Moderna Gramática do Português Contemporâneo, fala em “detalhes acessórios”. Já Cegalla abona expressões dessa natureza em seu Dicionário de Dificuldades com a citação de um grande escritor português: “Não nos parecem merecedoras de censura as expressões ‘mínimos detalhes’, ‘pequenos detalhes’, ‘mínimos pormenores’, AINDA QUE REDUNDANTES. Ramalho Ortigão escreveu: ‘Todos os mínimos pormenores são tratados com igual escrúpulo’ (A Holanda, p. 316)”.


Essas mesmas redundâncias constam também nos mais diversos clássicos da literatura, como A Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro; A Senhora, de José de Alencar; No Declínio, de Visconde de Taunay; O Missionário, de Inglês de Sousa; Os Sertões, de Euclides da Cunha; Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida etc. Resumindo: toda a literatura culta em língua portuguesa vive redundando isso a rodo desde sempre, mas tenha certeza de que, diante disso, o sabichão do literalismo ainda vai ter a audácia de dizer “Naaah, não interessa, tá errado, não faz sentido, não tem lógica”... Tem gente que só matando mesmo.


Pra encerrar, reproduzo aqui as palavras do amigo Bruno Barcelos: “Nem todo pleonasmo é vicioso, até porque, se fosse, ‘pleonasmo vicioso’ seria pleonasmo... e vicioso”.

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