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Foto do escritorEvandro Debochara

Dicas do chef: cortar ou não as gordurinhas do texto?


O chef Sacconi – sempre muito econômico – ensina em seu livro de receitas Não Erre Mais:


“Na hora de escrever, elegância é fundamental! Convém desprezar o artigo indefinido ‘um’/‘uma’ e usar apenas ‘de modo geral’, ‘de forma geral’, ‘de maneira geral’. Portanto o correto é SEM artigo depois da preposição!”


Muitos cozinheiros revisores de texto seguem essa regra à risca. Não podem ver uma gordurinha que já saem cortando... Dizem que o texto fica mais saudável. E estão errados? Nem sempre, não necessariamente. Muitas vezes têm razão e só estão fazendo o trabalho para o qual são pagos, uma vez que esse trabalho frequentemente envolve tornar o texto mais enxuto e objetivo. Mas será que toda gordurinha sempre faz mal? Claro que não. E às vezes cortá-las significa apenas mutilar o estilo dos autores.


De um modo geral, a maioria dos próprios chefs a-d-o-r-a salpicar locuções com artigos indefinidos.


Sacconi diz ser deselegante. No entanto, com elegância, diz Celso Luft:


“[...] exprime a ideia de um modo geral.” (Moderna Gramática Brasileira, 2002)


Logo atrás vem outro elegante Celso, o Cunha:


“[...] O mesmo acontece com a linguagem, apenas com a diferença de que as suas normas, de um modo geral, são mais complexas e coercitivas.” (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 2021)


Elegantemente, diz José Carlos de Azeredo:


“O gênero é, de um modo geral, uma característica convencional dos substantivos historicamente fixada pelo uso.” (Gramática Houaiss, 2021)


E, pra finalizar, Elegantildo Bechara:


“As múltiplas atividades dos falantes no comércio da vida em sociedade favorecem a criação de palavras para atender às necessidades culturais, científicas e da comunicação de um modo geral.” (Moderna Gramática Portuguesa, 2019)


DICA DO CHEF: Salpicar ou não o artigo indefinido nessas locuções é uma questão ̷c̷u̷l̷i̷n̷á̷r̷i̷a̷ estilística, e não gramatical. Em textos enxutos e objetivos, que realmente necessitem de economia de palavras, um tempero como o artigo pode ser dispensável, mas nunca errado. E quem acha a adição desse ingrediente um “estilo ruim” ou “deselegante” talvez ignore que até filólogos como Othon Moacir Garcia (Comunicação em Prosa Moderna) e Manuel Rodrigues Lapa (Estilística da Língua Portuguesa) empregavam “de um modo geral” a torto e a direito em suas obras. É... Parece que o Sacconi tá sozinho nessa.


Resumo da ópera: Há quem goste de gordurinha e há quem não goste. Deixá-la ou cortá-la do texto fica a gosto do freguês. “Ain, mesmo assim... pra que gordurinha? Prefiro sem mesmo”. OK, só não dê pitaco no prato alheio!


Na próxima aula, trataremos de outras gordurinhas que muitos cozinheiros adoram cortar, mas que são uma delícia de estilo dependendo do contexto: os artigos indefinidos em “um certo” e “um outro”.

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