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Foto do escritorEvandro Debochara

Divórcio entre sujeito e predicado: um tabu?


Dizem as Sagradas Escrituras Gramaticais: “O que a gramática uniu, a vírgula não separa” (Mateus 19:6). Crescemos ouvindo e lendo que não se deve separar com vírgula o sujeito do seu predicado. À primeira vista, tal casamento sintático é uma das leis mais draconianas da gramática portuguesa. No entanto, a língua – mesmo em sua variante padrão – é multifacetada, com ilimitadas possibilidades, e uma exegese de outros versículos feita por grandes teólogos revela que a própria gramática admite, sim, o divórcio entre sujeito e predicado em determinadas condições. Alguns exemplos: “[há] Uma vírgula sequestradora do sujeito, no entanto, [que] é tradicional: aquela que encerra uma oração subordinada inserida no núcleo do sujeito. Exemplos: a) O homem que comprou a casa(,) é um engenheiro. b) O fato de que ele não compareceu à reunião(,) desorientou os seus colegas. O mesmo vale para sujeitos muito extensos em geral. Em todo caso não é uma vírgula obrigatória, mas apenas um respiradouro, um clareador da estrutura.” (LUFT, Celso. A vírgula. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 23-24) “[...] Esta pontuação pode ocorrer ainda que separe por vírgula o sujeito expandido pela oração adjetiva: ‘Os que falam em matérias que não entendem, parecem fazer gala da sua própria ignorância’ [Marques de Maricá].” ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ (BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 39. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Lucerna, 2019, p. 838) “Emprega-se a vírgula para marcar a pausa no fim da subordinada adjetiva restritiva, quando esta é constituída por dizeres muito longos: ‘As famílias que se estabeleceram naquelas encostas meridionais das longas serranias chamadas pelos antigos Montes Marianos, conservaram por mais tempo os hábitos...’.” (ALMEIDA, Napoleão Mendes. Gramática metódica da língua portuguesa. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 573) “É facultativo o uso de vírgula em orações justapostas deste tipo: ‘Quem tudo quer tudo perde’ / ‘Quem tudo quer, tudo perde’.” ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ (SACCONI, Luiz Antônio. Nossa gramática completa. 30. ed. São Paulo: Nova Geração, 2010, p. 555) ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ “[...] ‘Quem viver, verá’; ‘Quem casa, quer casa’; ‘Quem tem, tem; quem não tem, não se conforma’; ‘Quem tudo quer, nada tem’; ‘Quem procura, acha’ etc. As gramáticas normalmente registram essas ocorrências, com a ressalva de que, em rigor, a vírgula não é necessária, mas pode ser empregada ‘por uma questão de clareza’.” ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ (CIPRO NETO, Pasquale. Quem ama (,) educa. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 nov. 2005. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1011200506.htm) Essa lição dos exegetas não é só sintática mas também moral: o fundamentalismo religioso que leva fiéis a excomungar – em qualquer caso – sujeitos e predicados divorciados impede que tais devotos respeitem o direito que alguns termos têm de se virgularem, o que nunca foi um pecado à luz das Sagradas Escrituras. No entanto, como visto acima, o divórcio é legalizado em certas sintaxes, e só fanáticos subservientes a um tradicionalismo estreito ainda reivindicam o controle de corpos. Portanto, apesar de pregar a união indissolúvel entre sujeito e predicado, a Igreja deve – quando for o caso – tolerar a quebra dos votos sintáticos desses termos da oração.



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