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Foto do escritorEvandro Debochara

Figuras da linguagem (III): José Fernandes (1925-1979)


O maestro cagando regras durante o "Show de Calouros"

As gerações mais novas talvez nunca tenha ouvido falar de José Fernandes, o crítico musical e jurado de programas de auditório mais caga-regras da história da língua portuguesa. Trabalhou como músico, maestro, cronista e radialista. Carrancudo e mal-humorado, como jurado vivia dando notas baixíssimas para calouros; como crítico, adorava apontar erros em letras de canções. Houve vários casos de implicância com o português das músicas, sendo alguns deles mais notórios por envolverem medalhões da MPB.


Em 1956, Vinícius de Moraes lançou seu primeiro disco em parceria com Tom Jobim: Orfeu da Conceição, trilha sonora para uma peça teatral homônima. No jornal Diário da Noite, foi publicada uma crítica sobre o LP escrita por José Fernandes, que reclamava da mistura de tratamentos presente na célebre canção “Se todos fossem iguais a você”: “tua vida” (segunda pessoa) e “iguais a você” (terceira).

Vinícius – um diplomata de carreira, dotado de vasta cultura e erudição – não deixou barato e enviou uma carta ao crítico dizendo que “ninguém, a não ser uma múmia da Academia Brasileira de Letras, dirá à namorada: ‘Minha querida, eu a amo. Você é a coisa mais linda do mundo’. O máximo que obterá da namorada será um comentário com as amigas: ‘Ele fala tão difícil...’ O que se fala no Brasil é: ‘Minha querida, eu te amo. Você é a coisa mais linda do mundo’”.


Em 1971, ele voltaria a encher o saco do Vinícius. Este havia composto com Chico Buarque a canção “Gente Humilde”. José Fernandes adorou a canção, mas disse que ela só não era perfeita por conter um grosseiro erro de português logo em seu primeiro verso: uso do verbo “ter” com o sentido de “haver” (“Tem certos dias...”). Mais tarde, em 1976, Guilherme Arantes – então em início de carreira – se apresentou no programa “Show de Calouros” com o seu primeiro sucesso “Meu Mundo e Nada Mais”, tema da novela “Anjo Mau”. O cantor recebeu nota máxima de todo o júri – exceto de José Fernandes, que lhe deu 4,5 (a nota máxima era 5), alegando que o trecho da letra “Só sobraram restos” formava o cacófato “Soçobraram Restos” (conjugação do verbo “soçobrar”, hoje em franco desuso e talvez bastante desconhecido). O cantor discutiu com o cacofatômano, mas Sílvio Santos interveio, alegando que calouros não podiam questionar o parecer dos jurados. Não foi à toa, portanto, que seu nome ficou conhecido na época como sinônimo de gente “de mal com a vida”.

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