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Foto do escritorEvandro Debochara

Figuras da linguagem (IV): Laudelino Freire (1873-1937)


Embora fosse membro da Academia Brasileira de Letras, Laudelino Freire se imortalizou mesmo foi como um dos maiores e mais obcecados puristas da Língua Portuguesa.


Talvez só o brasileiro Cândido Lago (?-1929) e o português Cândido de Figueiredo (1846-1925) rivalizem com ele em matéria de obsessão com colocações pronominais, e é bem provável que pelo menos um desses três tenha inspirado o conto “O Colocador de Pronomes” (1920), de Monteiro Lobato.


Entre as suas inúmeras implicâncias, havia a rejeição ao uso do substantivo no plural acompanhado de dois ou mais adjetivos no singular (como em “Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”) e a condenação do uso da expressão “com ou sem” (para os puristas, influência do inglês with or without). Rarissimamente, demonstrava lucidez e flexibilidade em comparação a seus colegas ao reconhecer a legitimidade de certos empregos consagrados na língua culta, mas reprovados até hoje, como a dupla concordância verbal de “um dos que”, que tempos atrás ainda era condenada por Pasquale e outros autores modernos.

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Fundou a Revista de Língua Portuguesa, cujo conteúdo reflete sua doentia preocupação em manter viva a correção e a pureza da escrita em português. Essa mesma preocupação militante com a pureza linguística está presente em A Defesa da Língua Nacional, por influência da Liga de Defesa Nacional, associação cívica e patriótica fundada e liderada por Olavo Bilac.

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Mas é na obra Gallicismos (1921) que ele atinge o apogeu de sua paranoia purista. Nesse livro, Freire lista todos os casos de francesismo por ele identificados e acompanhados de suas sugeridas substituições, muitas vistas como ridículas não apenas hoje como também naquela época, por seus próprios contemporâneos. Diferentemente do caricato latinista Castro Lopes (1827-1901), que adorava sempre inventar palavras para substituir estrangeirismos, Freire às vezes preferia sugerir a troca por termos já existentes em português. Sobre a palavra francesa enveloppe, por exemplo, dizia: “Desnecessária. Temos envólucro, envoltório, sobre-escripto, sobrecarta etc.”. Sobre “espionagem” e “espionar”, recomendava em seu lugar “espiagem” e “espiar”. Até a transitividade direta de “esquecer alguma coisa" era francesismo condenável; só era português legítimo “esquecer-se de alguma coisa". “Golpe de Estado" deveria ser substituído por “legicídio social” (tal como já sugeria o latinomaníaco Castro Lopes). Nenhum terno deveria ser feito “sob medida”, mas apenas “por medida”. Ninguém “sofre” desgosto, dissabor ou injúrias; apenas “padece". “Greve” ele queria ver corrigida por “demostasia”. Quando admitia o emprego de alguma palavra francesa, sempre havia um porém. Chamar o garçom? Jamais. Era preciso aportuguesar rigorosamente a palavra francesa: “garção”.

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Sua militância contra galicismos era tão conhecida que, certa madrugada, recebeu de um desconhecido um trote telefônico: “Professor, acabo de prender um galicismo numa pensão alegre do Mangue. Pra onde devo levá-lo? Pra delegacia?” O fato é que, hoje em dia, ele esqueceria o francês e passaria a perseguir todos os anglicismos que encontrasse.

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Com toda essa bagagem, não foi à toa que se elegeu membro da Academia Brasileira de Letras, e no lugar de outro célebre purista, Ruy Barbosa, em 1923. Nesse mesmíssimo ano, o sociólogo Gilberto Freyre escreveria:

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“[...] E veremos o país salpicado de Ligas Pró-Gramática e um grande Congresso da Gramática reunido no Rio sob a presidência do Sr. Laudelino Freire e o problema da colocação dos pronomes discutido nas câmaras com o maior ardor deste mundo”.

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Faleceu no Rio de Janeiro em 1937, sem ver seu sonho de pureza linguística concretizado.

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