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Por maioria de votos, STF descriminaliza vários pleonasmos tratados como viciosos

Plenário do STF durante sessão de julgamento – Foto: Andressa Anholete/STF/20 jun. 2024

BRASÍLIA (Reuters) – Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou na tarde de hoje vários pleonasmos. Na prática, a decisão da Corte significa que deixa de ser considerado crime de lesa-gramática o uso de expressões como “outra alternativa”, “voltar atrás”, “fato real”, “como, por exemplo”, “há anos atrás”, “pequenos detalhes”, “juntamente com”, “antídoto contra” e “grande maioria” – tratados equivocadamente como pleonasmos viciosos.


O julgamento avaliou a constitucionalidade da Lei Antipleonasmo, criada em 2006 pela Bancada Examinadora (frente parlamentar composta por deputados ligados à indústria dos concursos) com base em listas de pleonasmos criadas por internautas e compartilhadas em redes sociais. Esse índex, que contou com lobby do Movimento Brasil Correto (MBC), criminalizou vários usos legítimos como pleonasmos viciosos, sem nenhuma fundamentação gramatical. Além disso, a lei não faz sequer nenhuma distinção entre pleonasmo estilístico e vicioso, como se todo e qualquer pleonasmo fosse um crime de lesa-gramática. Na prática, ela feriu a constituição gramatical e serviu apenas para estreitar ainda mais a visão de língua da sociedade brasileira.


A maioria de seis ministros foi atingida com o voto de Dias Toffoli. A ministra Cármen Lúcia disse que seu voto é claro no sentido de entender que “nenhum pleonasmo que não seja vicioso deve ser criminalizado”.


Ao votar, o ministro Luiz Fux se pronunciou pela manutenção da lei, a fim de que ela identifique os pleonasmos viciosos, mas disse entender que o índex tem um rigor arbitrário e subjetivo, que não encontra fundamentação nas próprias normas das gramáticas contemporâneas.


Já o ministro Dias Toffoli declarou não ser papel de professores, influenciadores, concurseiros e comentaristas de internet decidir o que é o que não é vicioso, deixando isso a cargo de gramáticos, e aproveitou para lembrar uma lição milenar. “Peço vênia ao colegiado para citar o grande filósofo romano Sêneca, que dizia que ‘somos, às vezes, mais vítimas da correção do que nossos erros reais e sofremos mais com ideia que fazemos de gramática do que com a própria gramática”, disse.


Após o voto de Toffoli, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, proclamou a maioria de votos atingida no julgamento. Logo em seguida, fez coro com a observação já feita pela ministra Cármen Lúcia, afirmando que “nem todo pleonasmo é vicioso, até porque, se fosse, ‘pleonasmo vicioso’ seria pleonasmo... e vicioso”.


Tanto linguistas quanto gramáticos aplaudiram a decisão do Supremo. Celso Luft afirmou que tal lei só faria sentido “se quiséssemos condenar até seculares expressões vernáculas”. Partilhando desse mesmo entendimento, Evanildo Bechara, que já havia lamentado a desinformação gramatical disseminada em redes sociais, observou que os criadores da polêmica lei leem mais tuítes e memes do que literatura, e que, caso prestigiassem de fato a língua culta, conheceriam a riqueza e a diversidade de seus recursos estilísticos: “São agasalhadas pelos melhores escritores as expressões que tais críticos condenam, como ‘sorriso nos lábios’, ‘certeza absoluta’, ‘metades iguais’, ‘outra alternativa’, ‘amanhece o dia’, ‘gritar alto’, ‘todos foram unânimes’, ‘encarar de frente’, ‘elo de ligação’, ‘como, por exemplo’”, afirma o gramático. Segundo o autor da Moderna Gramática Portuguesa, não há nenhuma razão para que os falantes sejam orientados por um racionalismo tão estreito, pois “o grande juiz entre os pleonasmos de valor expressivo e os de valor negativo é o uso, e não a lógica. Se não dizemos, em geral, fora de situação especial de ênfase, ‘subir para cima’ ou ‘descer para baixo’, não nos repugnam construções com ‘O leite está saindo por fora’ ou ‘Palavra de rei não volta atrás’.”


O STF é a instância máxima de interpretação da gramática da língua portuguesa e, como tal, tem o poder de declarar inconstitucional qualquer norma gramatical. Se a maioria dos ministros e ministras do STF decidir que uma regra decretada é inconstitucional, ela é considerada nula e sem efeito, e não pode ser aplicada.


O líder da Bancada Examinadora na Câmara dos Deputados diz que o STF afronta o Legislativo ao descriminalizar esses pleonasmos. O fato gerou reações de vários congressistas, que já estão discutindo uma PEC para criminalizar vários usos tidos como vícios de linguagem na opinião de comentaristas de redes sociais.

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