BRASÍLIA (Reuters) – Dada como desaparecida desde o século passado, as buscas pela preposição “a” usada na regência transitiva indireta de “assistir” continuam em todo o território nacional. A ação faz parte da Operação Transitiva Indireta, que visa resgatar preposições desaparecidas das regências de vários verbos, como um dos últimos que acabamos de usar na oração anterior. Segundo levantamento feito pela Polícia Federal, todos os suspeitos pelo desaparecimento até agora intimados declararam saber apenas da menção à preposição em dicionários e gramáticas; os demais cidadãos dizem não a ter visto mais nem mesmo em redações de concursos e vestibulares. O delegado responsável pelo caso, Reginaldo Regêncio, reconhece que a principal dificuldade em localizar seu paradeiro se dá pelo fato de a língua falada ter ignorado totalmente a necessidade dessa preposição – e induzido a bem-educada língua escrita a fazer a mesma coisa.
De acordo com boletins de ocorrência, usuários mais conservadores acreditam que ela ainda esteja viva e acusam os demais falantes de descaso, indiferença e negligência, uma vez que estes sempre empregam o verbo com transitividade direta quando significa “ver e ouvir”, “estar presente”, “presenciar”: assistem filmes, jogos, shows, missas, cultos, programas de TV e cerimônias, mas nunca assistem a nenhum evento, nunca assistem a nada. “Se assistissem às aulas, jamais diriam que assistem aulas”, desabafou uma professora do Gran Cursos que não quis se identificar. No entanto, o perito Celso Luft isenta tais falantes de qualquer responsabilidade, atribuindo o sumiço a mero fato linguístico: por má influência de verbos marginais viciados em transitividade direta – “ver”, “presenciar” e “observar” –, é compreensível, segundo esse autor, que o próprio verbo “assistir” tenha se deixado contaminar sintaticamente pela inovação regencial, deixando todos assistirem algo, assisti-lo etc. e abandonado de vez uma parceria secular. Ainda assim, o perito observa que isso não impede que, na linguagem culta formal, as pessoas continuem acreditando na regência tradicional: assistir ao pronunciamento, assistir ao discurso, assistir à palestra. A crença nessa regência indireta nunca deixou de ser pregada pelas bancas examinadoras, que todo ano apenam vários candidatos de pouca fé.
Sempre zelosa com as tradições, a Academia Brasileira de Letras (ABL) aumentou consideravelmente o valor da recompensa pela localização da preposição ao oferecer a imortalidade a quem conseguir trazê-la de volta ao convívio com o verbo “assistir”. No entanto, a Polícia Federal admite que, apesar da esperança de gramáticos, professores e bancas examinadoras em vê-la de volta nas redações, a maioria dos falantes jamais sentirá sua falta.
A Associação Brasileira de Linguística (Abralin) já declarou extinta a espécie.
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