VALPARAÍSO DE GOIÁS (Reuters) – Uma discussão terminou em pancadaria ontem de manhã no mercado Bom Preço, em Valparaíso, cidade do interior de Goiás e do Entorno do Distrito Federal. Tudo por causa dos cartazes estampados com o slogan “Preço barato você encontra aqui!” fixados no estabelecimento. De acordo com testemunhas, o cliente Osmar Lourenço pediu para falar com o gerente e lhe disse que o mercado não poderia vender nada com preço barato, pois isso seria impropriedade de linguagem: “Os produtos, as mercadorias, os serviços é que podem ser baratos: refrigerantes baratos, carne barata, açúcar barato”, argumentou. No entanto, foi recebido com espanto pelo gerente: “É a primeira vez que vejo alguém reclamar de preço barato”.
O freguês insistiu na correção: “Como cliente, tenho direito de questionar tudo o que não é correto, inclusive o português”. O gerente então lhe respondeu que ele deveria procurar outro lugar, pois, apesar de ter alguma ascendência lusitana, ele era brasileiro e ali não havia nenhum português. O consumidor insistiu que aquilo era um desserviço, mas o funcionário continuou se justificando: “Com essa inflação galopante, o senhor devia era me agradecer pelo preço barato”, disse, sendo retrucado com mais uma correção: “Devia, não. D-e-v-e-r-i-a”, o que foi replicado com: “Conjugue como quiser... continua me devendo um agradecimento”. O reclamante se sentiu insultado com o que achava ser deboche; os ânimos se exaltaram, e então ambos partiram para as vias de fato.
Na 2ª Delegacia de Polícia de Valparaíso de Goiás, o imbróglio continuou. O delegado apurou a denúncia contra a agressão, mas alegou não poder fazer nada em relação à queixa contra o preço barato, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor não prevê nenhuma punição ou repressão contra o livre uso de adjetivos para classificar qualquer substantivo: “Digamos que, nesse caso, a publicidade do mercado tenha direito a licença poética e que, em detrimento do rigor formal, o autor, publicitário ou seja lá o que for pode argumentar cerceamento da criatividade ou mesmo da liberdade de expressão”.
Além disso, o delegado lamentou a intransigência de certos clientes, que dizem ter sempre razão: “Até hoje ainda há muita intolerância linguística. Entendo que, seguindo um rigor lógico, seja impróprio dizer que 'o preço está barato'. No entanto, se o comerciante está conseguindo, com isso, comunicar de forma bem-sucedida aos seus clientes que o preço está baixo ou módico, se consegue transmitir a mensagem, desde que não constitua publicidade enganosa, não está induzindo o consumidor a nenhum erro de qualquer natureza a respeito dos produtos que estão sendo vendidos”, argumentou.
O advogado do consumidor, no entanto, retrucou: “O slogan induz o consumidor a erro, sim: o erro gramatical. ‘Barato’ e ‘caro’ podem ser apenas os produtos que ele vende. Já os preços podem ser altos, médios ou baixos. Módicos, razoáveis ou exorbitantes. Mínimos, reduzidos ou elevados. É o que prevê a norma da língua. E, se não posso recorrer ao Código do Consumidor, ao menos ainda tenho os manuais de redação da Folha, do Estadão e da Dad Squarisi pra me darem razão”.
Após muita conversa, o cliente do mercado concordou em retirar a queixa contra ambas as agressões – física e gramatical – desde que o gerente se comprometesse a corrigir o mote. O comerciante aceitou o acordo. No entanto, já foi possível verificar, hoje mesmo pela manhã, que toda a publicidade do estabelecimento havia sido substituída pelo slogan “Aqui não tem preço caro!”. Até o momento, não foram registradas reclamações.
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