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Foto do escritorEvandro Debochara

Vícios sofisticados do juridiquês

No Português Jurídico, desenvolveram-se vícios tão sofisticados que acabaram se consagrando como se fossem os mais eruditos usos, a ponto de serem praticados até por advogados, juízes, juristas, procuradores e ministros que – apesar de tais erros – apresentam bom conhecimento da língua culta. A maioria desses erros envolve palavras e locuções que, por si só, estão corretas, porém passaram a ser usadas de forma errada (por pedantismo, vaidade ou outras razões). Trata-se de erros que, graças à sua falsa elegância, muitos profissionais do Direito foram consolidando no juridiquês ao longo do tempo, proporcionando deslumbramento e encanto em autores e leitores; como soam classudos, quase ninguém – seja no meio forense ou fora dele – questiona. Vejamos alguns casos chiques enraizados na tradição forense:

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Desta/dessa feita: Essa expressão clássica é utilizada frequentemente em textos jurídicos com o sentido de “desse modo”, “dessa maneira”, “assim”, “assim sendo”, “destarte”; mas ela não tem sentido de conclusão, e sim de tempo, significando “dessa, desta ou daquela vez”; “nessa, nesta ou naquela oportunidade”.

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Díspare: “Díspar” significa “que não é igual”, “desigual”, “diferente”. Seu plural é “díspares”. No entanto, em algum momento, algum pedante da classe jurídica decidiu inovar e inventou “díspare” para usar no lugar de “díspar”. E hoje em dia esse “díspare” – sem registro em nenhum dicionário – é usado muito além do juridiquês.

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Eis que: Locução muito querida por advogados, que a empregam equivocadamente com o sentido de “já que”, “visto que”, “uma vez que”, “porque” etc., ignorando que seu sentido correto sempre foi de surpresa e imprevisto: “Eis que surge um contratempo”; “Eis que o prédio desabou”.

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Em sede (de): Italianismo (in sede di) que se tornou um dos maiores cacoetes do juridiquês. Às vezes, sua simples exclusão é suficiente para deixar a construção não só correta como também mais clara e objetiva, como “em sede de ação mandamental" > “em ação mandamental”. Em outros contextos (em que é usado inclusive exaustivamente), pode-se substituir “em sede (de)” por “em caso (de)”, “na fase (de)”, “em matéria (de)”, “em via”, “por meio” (alternativas, aliás, muito mais claras que o italianismo mal-empregado).

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Extreme de dúvidas: Barbarismo encontrado em acórdãos, decisões e inúmeras obras de Direito há mais de um século e usado com muita pompa até hoje. Ministros, juízes e advogados se deleitam com esse “extreme”, que nem sequer tem registro dicionarizado, pois é corruptela de “estreme”, que significa sem mistura, puro, sem contaminação.

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Posto que. É expressão utilizada por muitos profissionais do Direito com o sentido de “porque”, “visto que”, “uma vez que”. No entanto, é uma locução subordinativa adverbial concessiva que significa “embora”, “ainda que”, “se bem que”, “conquanto”.

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Sobrestou. Vício irresistível em todas as instâncias, das pequenas varas ao STF. Aqui o erro não está no sentido nem no contexto em que a palavra é usada, e sim na conjugação: “O tribunal sobrestou o julgamento”. “Sobrestar” é derivado de "estar”; são verbos cognatos, pois são formados pelo mesmo radical (est-); por isso, a conjugação correta é “O tribunal sobresteve o julgamento”. “Sobrestou” é conjugação correta apenas na 1ª pessoa do presente do indicativo.

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